sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Itinerário Habitual - parte II

Para não pegar o ônibus andando...


A essas alturas, já estava no final da Rua da Consolação, quase na Av Paulista, pertinho do seu apartamento. Marina não sabia se queria que o tempo fosse como uma flecha ou como uma paciente tartaruga. Estava aflita com aqueles olhos em sua direção. Aflita com a ideia de que olhariam em seus olhos, e imaginariam o nome, idade, profissão, o que come pela manhã ou a que horas vai dormir.

O Rapaz, de calça jeans escura, um tênis bonito e camiseta de listras, parecia que voltava também da faculdade. Pelo volume de seus livros, Marina julgava-o estudante de direito, ou, quem sabe, administração. E continuava a olhá-la, sem tantas preocupações como as de Marina. Tanto fazia para ele se soubessem seu nome ou sua rotina. Na verdade, isso não fazia a menor diferença.

O ônibus, entrou na Paulista e ela mal percebeu que perdera o ponto. Quando se deu conta, desceu na Brigadeiro, e, para o seu espanto, o Homem-de-Listras também desceu no mesmo ponto.

- Boa noite! Cuidado pelo caminho!

Marina retribuiu com um breve sorriso tímido e um aceno positivo com a cabeça, e seguiu rumo à sua casa, com passos largos e apressados.

O porteiro do turno da noite, Marina sempre o via, mas assim como fazia com o motorista e o cobrador, desviava o olhar para não se deixar invadir pelos olhos dos outros. Subiu as escadas até o seu andar, entrou em seu apartamento. Como de costume, fez um lanche, tomou um banho, e sentou-se para ler um pouco mais antes de dormir. Céus! Como alguém podia ter mexido tanto assim com ela? Apenas com um olhar? (e que olhar!).

Enquanto passava os olhos pelo seu Alberto Caeiro, pensou que, talvez aquele Rapaz fosse o seu guardador de rebanhos... falando em rebanhos e guardadores, talvez fosse ela Marília, e ele, Dirceu... Quem sabe?

Sacudiu a cabeça na tentativa de espantar devaneio. Julga-se sonhadora demais. ''Para mudar a educação do mundo, é preciso realismo!'', dizia ela.

Ela jamais pensara qualquer coisa parecida, ainda mais, se o rapaz em questão fosse um desconhecido, mas Marina começou a lembrar do azul, e cada momento a remetia à uma história bonita que lera... Adormeceu com Alberto Caeiro no peito, desajeitada na cama.

4 comentários:

Vívis disse...

Poético, lindo!
Já me peguei imaginando que várias pessoas fazem parte de nossa vida como coadjuvantes poderiam ser mais próximas. E se déssemos uma chance, o estranho viria a ser nosso Dirceu.
Talvez Marina tenha razão, às vezes é preciso ser realista... rs
Adorei!

gipicles disse...

é que o olhar desconhecido é sempre intrigante, é cheio de mistério... e quem não gosta de mistério?

Unknown disse...

Fernando Pessoa, sonhava ser Alberto Caeiro, ou criou somente um heteronímo, com uma visão diferenciada?

“por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever.”


Belo Texto!

Marcelo Mayer disse...

porra! me vi como um mero andarilho na calçada vendo de tudo e imaginando tudo.

belo texto!