terça-feira, 22 de setembro de 2009

Itinerário Habitual

Marina era uma daquelas garotas que pouco se importava com o que acontecia em sua volta. Sempre com um livro debaixo do braço, ela saía da faculdade de Pedagogia com a cabeça cheia de ideias. Introspectiva e ao mesmo tempo determinada, ela queria transformar o mundo onde vivia. E estudar Pedagogia era sua parcela de contribuição.

Todos os dias, ela pegava o mesmo ônibus, sempre no mesmo horário. Nunca falou um ‘boa noite’ ao motorista ou ao cobrador. Eram sempre os mesmos, viam-se todos os dias, quase amigos íntimos, porém Marina desviava o olhar quando percebia que um deles abriria um sorriso para cumprimentá-la.

Na realidade, ela sempre foi de poucos amigos. Tinha medo de quantas pessoas entrariam em sua vida e descobrissem seus medos. Marina tinha receio dos sentimentos das pessoas, afinal cansara de ver tantas pessoas chorando e sofrendo por razões de outras. A garota não queria se arriscar. Quando entrava no ônibus, percebia que alguém a olhava. Mas nunca quis saber quem ou o que era. O olhar era o que mais incomodava a garota. Se os olhos eram as janelas da alma, ela não queria olhar ninguém por dentro.

E foi assim por muito tempo. O mesmo ônibus, as mesmas pessoas, o mesmo itinerário. As ruas que separavam a universidade do seu apartamento já sabiam os segredos e anseios. Em um desses retornos para casa, após ler diversas páginas do livro da semana e refletir sobre sua própria verdade, a garota adormecera. Quando despertou repentinamente, viu uns olhos azuis, olhando-a profundamente, como quem admira uma beleza anônima.

Marina também olhara para aqueles olhos. Não eram olhos de ressaca, como aquele que tanto sonhou, após ter lido ‘Dom Casmurro’. Eram olhos pequenos e tão distantes. Logo desviou o olhar. Não queria que o dono daqueles olhos se tornasse ‘o colega do ônibus’. Mas pelo reflexo do vidro, ela viu que ele não parou de fitá-la.

Sorrira por dentro. A barba por fazer, que ela tanto gostava nos homens, dava ao rapaz um ar sombrio e deixou Marina ainda mais tímida. Ela não sabia porquê ele olhava e o que tanto queria descobrir. Ela não queria olhá-lo.

To be continued...

2 comentários:

gipicles disse...

eita...
isso me pareceu tão tão... familiar.
morro de medo do olhar.

Marcelo Mayer disse...

aposto que é um rapaz com camisa listrada...

venha logo a continuação